sábado, 17 de março de 2018

A " Salamancada" - Anatomia de um Desastre Anunciado


A “SALAMANCADA” E O PORTO – ANATOMIA DE UM DESASTRE ANUNCIADO


Em 1 de Julho de 1881 os grandes capitalistas e as principais casas financeira do Porto juntam-se para a constituição de um sindicato financeiro (tendo por detrás, Henrique de Burnay, a maior fortuna do seu tempo e uma das cem maiores da Europa).
O objectivo deste sindicato era concretizar a ligação ferroviária do Porto a Salamanca, através de Barca D´Alva
Era uma forma de tentar com que a projectada linha de caminho de ferro, linha esta que era do interesse espanhol, Salamanca Vilar Formoso e Salamanca -Barca D´Alva, se preocupasse mais com o prolongamento da linha da Beira Alta e não com a ligação á cidade do Porto.
Era um objectivo para dois, três anos e era uma forma do mercado espanhol estar acessível aos interesses capitalistas portuenses.
Era no dizer dos responsáveis pelo sindicato uma “urgência fatal e inadiável”, já que qualquer
demora produziria “danos verdadeiramente irreparáveis.
O prazo máximo para a concretização das linhas era de três anos, o que ficou consignado no caderno de encargos.
Este processo subiu ao parlamento e vai ter luz verde dos ministros da Fazenda e das Obras Públicas, Fontes Pereira de Melo e Hintze ribeiro.
Aqui funcionou o lobby do Partido Regenerador, a direita monárquica, que arregimentou as câmaras municipais da sua cor política para, estas concordarem com o plano.
A oposição ao projecto era não só encabeçada pelo Partido Progressista, a esquerda monárquica, assim como os Republicanos, que eram uma força em ascensão.
Ambos não queriam que o governo estivesse de uma forma tão ligado a um projecto que era da iniciativa privado e com os bancos a colaborarem com ele de uma maneira que ia ao arrepio da própria lei.
Mas em rigor não era bem assim, o único deputado republicano no parlamento, Elias Garcia, Grão-Mestre da Maçonaria, nunca fez nenhum discurso contra o sindicato e no Porto, outro republicano, Rodrigues de Freitas, até escreveu um artigo a favor do mesmo…
Foi no fundo uma luta entre as duas grandes famílias politicas de então. O Bloco central da época. Mas também foi uma luta entre o Porto e Lisboa, fazendo vir ao de cima velhas querelas regionais versus centralistas.
Os que estavam a favor, e estamos a falar da dita opinião publica, isto é a opinião que os jornais publicavam, diziam que o caminho de ferro era o motor do desenvolvimento, o que não deixava de em parte estar certo.
Outro argumento dizia que se a Espanha era o nosso grande cliente comercial, fazia sentido ter boas comunicações com uma região, Salamanca, que com os cerca de 200.000 habitantes era, e dada a proximidade geográfica, uma prioridade absoluta.
A cidade do Porto, diziam eles, seria a grande privilegiada por esta iniciativa e se ela não se fizesse viria a ruína comercial e industrial.
Também diziam que se isto não se fizesse seria a Figueira da Foz a grande beneficiaria desta inação.
Era o sonho da linha internacional, já que a ligação, Salamanca Hendaia, levaria os produtos para a Europa desenvolvida.
Os que criticavam diziam que a economia do país não suportava mais aventuras económicas, os impostos tinham sido aumentados em 6% por causa da nossa debilidade financeira e que a fome era uma realidade em vários pontos do país e por isso havia prioridades.
Outros diziam que sendo Portugal um país pobre, não fazia sentido construir um caminho de ferro…em Espanha e quando nem Trás os Montes nem o algarve tinham um só quilómetro de via férrea.
Diziam também que o argumento de que a Figueira da Foz seria a grande beneficiária se a linha não se fizesse era ridículo pois, se a Barra do Douro era difícil e complicada, o que dizer do Porto da Figueira que só permitia barcos de pequeno calado.
Mas o projecto foi para a frente e com um aval económico do governo apesar deste antever algumas limitações de ordem financeira, como por exemplo, não exceder os 135 contos anuais.
Mas tudo correu mal. O trajecto foi mal desenhado, as estações ficavam longe dos aglomerados principais.
O mesmo traçado era demasiado acidentado, o que aumentava o seu custo por quilómetro.
Uma ignorância nos assuntos mais técnicos da construção assim como fraude na entrega da empreitada.
Um troço, e grande, teve que ser feito duas vezes!
Sub empreitadas dadas a “amigos” com lucros excecionais para quem entregava a empreitada pois o custo base era de por exemplo 100 e dada a subempreitada a 50!! E dava mesmo assim lucro a estes contratados.
Abóbadas mal construídas. Pontes que ameaçavam ruir, travessas usadas sem terem em conta o clima da zona. Em suma erro atrás de erro, corrupção, nepotismo.
Mesmo assim a obra Salamanca Vilar Formoso ficou pronta, cinco anos depois do inicio da obra, que deveria estar concluída em três.
A empreitada Salamanca à Barca D´Alva só foi inaugurada seis anos depois…
Mas, como é óbvio, os credores do sindicato batiam á porta deste para reaverem o seu dinheiro investido.
Em março de 1888 os bancos dirigem um pedido de auxilio ao Governo, porque os prejuízos de um negócio em que eles estavam proibidos pela lei da época de participarem, estava a ser ruinoso para os balanços dos mesmos.
A banca do sindicato estava endividada em 4000 contos, com encargos de 600 contos anuais, provocadas pelo défice na exploração e quer dos “encargos dos capitais desembolsados e das obrigações criadas”!!
Só a exploração da linha dava um prejuízo de 80 contos de reis todos os anos.
Acionistas do Sindicato Financeiro
Era no dizer dos bancos que pedira ajuda ao Governo, uma calamidade económica para os sete bancos envolvidos e que a cidade do Porto também se iria ressentir deste desastre financeiro.
Solicitaram ao governo que lhes desse a exploração do Porto de Leixões e dobrar lhe s a garantia de juro.
Nova polémica no parlamento, a oposição queria uma comissão de inquérito aos custos astronómicos e que se averiguasse a profunda corrupção de que todo o processo enfermava.
O governo acudiu aos bancos e entregou a exploração de Leixões a uma empresa que o Sindicato viesse a criar.
A companhia chamou-se Companhia das Docas do Porto e Caminhos de Ferro peninsulares.
No entanto as acções desta companhia estavam nas mãos dos bancos apesar de não terem nenhuma cotação.
Mas dá-se a crise de maio de 1891, os bancos já debilitados pelos investimentos colossais que tinham feito poderiam entrar em bancarrota e através de uma lei de Julho de 1891 o governo vem em auxilio dos bancos do Porto. Mas com um preço bem alto.
A partir desta data deixavam de poder emitir moeda, de que os bancos se ufanavam e era motivo de orgulho para a cidade do Porto.
Como os bancos não tinham condições para pagar as despesas de exploração da linha, esta passou para as mãos do estado.
Foram ainda obrigados a fundirem os sete bancos, em dois.
Desaparecia para sempre o Banco Mercantil, fundado em 1856, o Banco União, criado também em 1856, a Nova Companhia de Utilidade Pública, fundada em 1864, o Banco Português, fundado em 1875 e o Banco de Comércio e Indústria, criado em 1876.
Todos foram fundidos no Banco Comercial do Porto (banco já tratado por mim, durante esta semana dedicada à Banca do Porto e que podem ler noutra página deste blogue.).
Oliveira Martins, voz avisada, e conhecedor dos meandros financeiros, ele que foi ministro das Finanças, diziam que os anos oitenta do século XIX tinha criado uma classe de plutocratas.
De facto, sim, a ganância, a avidez e a cobiça, típica do capitalismo não regulado e vigiado, criou esta situação altamente lesiva para a cidade do Porto.
O grande vencedor desta situação foi o Conde de Burnay. Uma figura do seu tempo e que corporiza todos os vícios deste tempo.
É ela que dá a ideia da criação do Sindicato, participa nele, mas de uma forma ligeira e sem grande empenho financeiro, comprou jornalista para escreverem e criarem um clima que fosse favorável ao projecto.
Deram lhe grandes facilidades em concluir negociações em nome do Sindicato todas as compras são da sua responsabilidade, locomotivas, traves e todo o tipo de material necessário para a conclusão da empreitada.
Lucrou de uma forma fabulosa com as encomendas que mandava fazer, recebeu 360 contos sobre lucros, que ainda vinha aí!!
Negociou a derrota da banca do Porto e da sua agora extinta faculdade emissora.
Em suma depois de ter quase levado a banca da cidade à falência, vai gerir a sua liquidação e fusão com outros!!
Boicotou, mentiu ameaçou. Como dizia Rafael Bordalo Pinheiro; Burnay “Compra, Vende, Troca, Empresta, Põe, Repõe, Fia, Jura e Faz”.
E dizia com toda a inocência do mundo que apenas queria ser útil ao país!!
E que dizer da cidade do Porto que em 24 de Outubro de 1930 decidiu dar o seu nome a um arruamento na zona do Monte Aventino!!
Porquê? Só porque começou a sua actividade na cidade do Porto? E foi aqui que começou a dar nas vistas para os negócios, com o aluguer de parte do Palácio de Cristal para um bazar?
Um tiro no pé na minha opinião. E numa cidade com tantos nomes para se homenagear nas ruas portuenses, a começar pela D. Antónia, a “Ferreirinha da Régua.

PS - Este texto é baseado  num trabalho do  Professor Fernando de  Sousa dedicado a esta temática. O quadro anexo foi retirado desse trabalho. 

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