A “SALAMANCADA”
E O PORTO – ANATOMIA DE UM DESASTRE ANUNCIADO
Em 1 de Julho de 1881 os grandes
capitalistas e as principais casas financeira do Porto juntam-se para a
constituição de um sindicato financeiro (tendo por detrás, Henrique de Burnay,
a maior fortuna do seu tempo e uma das cem maiores da Europa).
O objectivo deste sindicato era
concretizar a ligação ferroviária do Porto a Salamanca, através de Barca D´Alva
Era uma forma de tentar com que a
projectada linha de caminho de ferro, linha esta que era do interesse espanhol,
Salamanca Vilar Formoso e Salamanca -Barca D´Alva, se preocupasse mais com o
prolongamento da linha da Beira Alta e não com a ligação á cidade do Porto.
Era um objectivo para dois, três anos
e era uma forma do mercado espanhol estar acessível aos interesses capitalistas
portuenses.
Era no dizer dos responsáveis pelo
sindicato uma “urgência fatal e inadiável”, já que qualquer
demora produziria “danos
verdadeiramente irreparáveis.
O prazo máximo para a concretização
das linhas era de três anos, o que ficou consignado no caderno de encargos.
Este processo subiu ao parlamento e
vai ter luz verde dos ministros da Fazenda e das Obras Públicas, Fontes Pereira
de Melo e Hintze ribeiro.
Aqui funcionou o lobby do Partido
Regenerador, a direita monárquica, que arregimentou as câmaras municipais da
sua cor política para, estas concordarem com o plano.
A oposição ao projecto era não só
encabeçada pelo Partido Progressista, a esquerda monárquica, assim como os
Republicanos, que eram uma força em ascensão.
Ambos não queriam que o governo estivesse
de uma forma tão ligado a um projecto que era da iniciativa privado e com os bancos
a colaborarem com ele de uma maneira que ia ao arrepio da própria lei.
Mas em rigor não era bem assim, o único
deputado republicano no parlamento, Elias Garcia, Grão-Mestre da Maçonaria, nunca
fez nenhum discurso contra o sindicato e no Porto, outro republicano, Rodrigues
de Freitas, até escreveu um artigo a favor do mesmo…
Foi no fundo uma luta entre as duas
grandes famílias politicas de então. O Bloco central da época. Mas também foi
uma luta entre o Porto e Lisboa, fazendo vir ao de cima velhas querelas
regionais versus centralistas.
Os que estavam a favor, e estamos a
falar da dita opinião publica, isto é a opinião que os jornais publicavam,
diziam que o caminho de ferro era o motor do desenvolvimento, o que não deixava
de em parte estar certo.
Outro argumento dizia que se a Espanha
era o nosso grande cliente comercial, fazia sentido ter boas comunicações com
uma região, Salamanca, que com os cerca de 200.000 habitantes era, e dada a
proximidade geográfica, uma prioridade absoluta.
A cidade do Porto, diziam eles, seria
a grande privilegiada por esta iniciativa e se ela não se fizesse viria a ruína
comercial e industrial.
Também diziam que se isto não se
fizesse seria a Figueira da Foz a grande beneficiaria desta inação.
Era o sonho da linha internacional, já
que a ligação, Salamanca Hendaia, levaria os produtos para a Europa
desenvolvida.
Os que criticavam diziam que a
economia do país não suportava mais aventuras económicas, os impostos tinham
sido aumentados em 6% por causa da nossa debilidade financeira e que a fome era
uma realidade em vários pontos do país e por isso havia prioridades.
Outros diziam que sendo Portugal um país
pobre, não fazia sentido construir um caminho de ferro…em Espanha e quando nem
Trás os Montes nem o algarve tinham um só quilómetro de via férrea.
Diziam também que o argumento de que a
Figueira da Foz seria a grande beneficiária se a linha não se fizesse era ridículo
pois, se a Barra do Douro era difícil e complicada, o que dizer do Porto da Figueira
que só permitia barcos de pequeno calado.
Mas o projecto foi para a frente e com
um aval económico do governo apesar deste antever algumas limitações de ordem
financeira, como por exemplo, não exceder os 135 contos anuais.
Mas tudo correu mal. O trajecto foi mal
desenhado, as estações ficavam longe dos aglomerados principais.
O mesmo traçado era demasiado
acidentado, o que aumentava o seu custo por quilómetro.
Uma ignorância nos assuntos mais técnicos
da construção assim como fraude na entrega da empreitada.
Um troço, e grande, teve que ser feito
duas vezes!
Sub empreitadas dadas a “amigos” com lucros
excecionais para quem entregava a empreitada pois o custo base era de por
exemplo 100 e dada a subempreitada a 50!! E dava mesmo assim lucro a estes
contratados.
Abóbadas mal construídas. Pontes que
ameaçavam ruir, travessas usadas sem terem em conta o clima da zona. Em suma
erro atrás de erro, corrupção, nepotismo.
Mesmo assim a obra Salamanca Vilar Formoso
ficou pronta, cinco anos depois do inicio da obra, que deveria estar concluída em
três.
A empreitada Salamanca à Barca D´Alva
só foi inaugurada seis anos depois…
Mas, como é óbvio, os credores do
sindicato batiam á porta deste para reaverem o seu dinheiro investido.
Em março de 1888 os bancos dirigem um
pedido de auxilio ao Governo, porque os prejuízos de um negócio em que eles estavam
proibidos pela lei da época de participarem, estava a ser ruinoso para os
balanços dos mesmos.
A banca do sindicato estava endividada
em 4000 contos, com encargos de 600 contos anuais, provocadas pelo défice na
exploração e quer dos “encargos dos capitais desembolsados e das obrigações
criadas”!!
Só a exploração da linha dava um prejuízo
de 80 contos de reis todos os anos.
Acionistas do Sindicato Financeiro |
Era no dizer dos bancos que pedira
ajuda ao Governo, uma calamidade económica para os sete bancos envolvidos e que
a cidade do Porto também se iria ressentir deste desastre financeiro.
Solicitaram ao governo que lhes desse
a exploração do Porto de Leixões e dobrar lhe s a garantia de juro.
Nova polémica no parlamento, a
oposição queria uma comissão de inquérito aos custos astronómicos e que se
averiguasse a profunda corrupção de que todo o processo enfermava.
O governo acudiu aos bancos e entregou
a exploração de Leixões a uma empresa que o Sindicato viesse a criar.
A companhia chamou-se Companhia das Docas
do Porto e Caminhos de Ferro peninsulares.
No entanto as acções desta companhia estavam
nas mãos dos bancos apesar de não terem nenhuma cotação.
Mas dá-se a crise de maio de 1891, os bancos
já debilitados pelos investimentos colossais que tinham feito poderiam entrar
em bancarrota e através de uma lei de Julho de 1891 o governo vem em auxilio
dos bancos do Porto. Mas com um preço bem alto.
A partir desta data deixavam de poder
emitir moeda, de que os bancos se ufanavam e era motivo de orgulho para a
cidade do Porto.
Como os bancos não tinham condições
para pagar as despesas de exploração da linha, esta passou para as mãos do estado.
Foram ainda obrigados a fundirem os
sete bancos, em dois.
Desaparecia para sempre o Banco Mercantil,
fundado em 1856, o Banco União, criado também em 1856, a Nova Companhia de Utilidade
Pública, fundada em 1864, o Banco Português, fundado em 1875 e o Banco de
Comércio e Indústria, criado em 1876.
Todos foram fundidos no Banco
Comercial do Porto (banco já tratado por mim, durante esta semana dedicada à
Banca do Porto e que podem ler noutra página deste blogue.).
Oliveira Martins, voz avisada, e
conhecedor dos meandros financeiros, ele que foi ministro das Finanças, diziam
que os anos oitenta do século XIX tinha criado uma classe de plutocratas.
De facto, sim, a ganância, a avidez e
a cobiça, típica do capitalismo não regulado e vigiado, criou esta situação
altamente lesiva para a cidade do Porto.
O grande vencedor desta situação foi o
Conde de Burnay. Uma figura do seu tempo e que corporiza todos os vícios deste
tempo.
É ela que dá a ideia da criação do
Sindicato, participa nele, mas de uma forma ligeira e sem grande empenho
financeiro, comprou jornalista para escreverem e criarem um clima que fosse
favorável ao projecto.
Deram lhe grandes facilidades em concluir
negociações em nome do Sindicato todas as compras são da sua responsabilidade,
locomotivas, traves e todo o tipo de material necessário para a conclusão da
empreitada.
Lucrou de uma forma fabulosa com as
encomendas que mandava fazer, recebeu 360 contos sobre lucros, que ainda vinha aí!!
Negociou a derrota da banca do Porto e
da sua agora extinta faculdade emissora.
Em suma depois de ter quase levado a
banca da cidade à falência, vai gerir a sua liquidação e fusão com outros!!
Boicotou, mentiu ameaçou. Como dizia Rafael
Bordalo Pinheiro; Burnay “Compra, Vende, Troca, Empresta, Põe, Repõe, Fia, Jura
e Faz”.
E dizia com toda a inocência do mundo
que apenas queria ser útil ao país!!
E que dizer da cidade do Porto que em 24
de Outubro de 1930 decidiu dar o seu nome a um arruamento na zona do Monte Aventino!!
Porquê? Só porque começou a sua
actividade na cidade do Porto? E foi aqui que começou a dar nas vistas para os
negócios, com o aluguer de parte do Palácio de Cristal para um bazar?
Um tiro no pé na minha opinião. E numa
cidade com tantos nomes para se homenagear nas ruas portuenses, a começar pela
D. Antónia, a “Ferreirinha da Régua.
PS - Este texto é baseado num trabalho do Professor Fernando de Sousa dedicado a esta temática. O quadro anexo foi retirado desse trabalho.
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