Julgamento de Ana Plácido e Camilo
Castelo Branco
Ana Plácido em jovem |
No dia 15 de Outubro de 1861, deu-se início ao julgamento de
Ana Augusta Plácido e Camilo Castelo Branco, que terminou no dia 17 do mesmo
mês. Decorreu no Tribunal Criminal do Porto, na então Travessa da Picaria, um
arruamento que não existe mais — hoje é o lado norte da Praça de Filipa de
Lencastre, gaveto com a Rua da Picaria, onde já esteve instalado o Restaurante
Portuense (actualmente, existem no mesmo espaço estabelecimentos comerciais da
área da restauração).
O processo foi entregue ao juiz José Maria de Almeida
Teixeira de Queirós, pai de Eça de Queiroz, que posteriormente foi substituído
(diz-se que Manuel Pinheiro Alves, sabendo-o amigo do casal, conseguiu que ele
fosse transferido para Vila Franca de Xira). Mas, voltando ao julgamento, de
que estavam de facto acusados os réus?
Ao abrigo do artigo 401 do Código Penal da época, eram
acusados do crime de adultério. O artigo dizia:
«O adultério
da mulher será punido com o degredo temporário.
1. O co-réu adúltero,
sabedor de que a mulher é casada, será punido com a mesma pena, ficando
obrigado às perdas e danos que devidamente se julgarem.
2. Somente serão
admissíveis contra o adúltero as provas de flagrante delito ou as provas
resultantes de cartas ou outros documentos escritos por ele.»
De seguida, transcrevemos ipsis verbis a informação disponível acerca
deste processo e que pode ser consultada na página do Museu do Tribunal da
Relação do Porto, vulgo Tribunal de Justiça:
«Por queixa de Manuel
Pinheiro Alves, marido de Ana Augusta Plácido, foi instaurado processo de
querela, por adultério, contra Camilo Castelo Branco e aquela Ana. O processo foi objecto de despacho lavrado, em 22 de Dezembro,
pelo juiz José Maria de Almeida Teixeira de Queirós, pai de Eça de
Queiroz, titular daquele Tribunal Criminal, sito na Praça D. Filipa de
Lencastre, na esquina com a Rua da Picaria. A queixa foi assinada pelo advogado
Alexandre Couto Pinto e os acusados tiveram como defensor Marcelino de Matos
que também havia de defender, noutro processo, o Zé do Telhado.
Camilo e Ana acabaram
por ser pronunciados, ela por adultério e ele por ter copulado com mulher
casada, por decisão do Tribunal da Relação do Porto, já que o juiz Queirós
apenas pronunciara a Ana. Isto por que só o adultério da mulher era punível e,
relativamente ao homem comparticipante, a punibilidade pressupunha o flagrante delito (sós e nus na mesma
cama) ou a existência de cartas ou outro documento escrito. O flagrante não se
verificava e apenas existia uma carta dirigida a um tio (informador de Pinheiro
Alves da infidelidade da mulher) de Ana, mas em que não era mencionado o nome
desta. Na sequência da pronúncia, Ana Plácido e, mais tarde, Camilo recolheram
à Cadeia da Relação. Depois de muitos incidentes (pedidos de escusa de juízes,
recursos), chegando o processo a subir ao Supremo Tribunal de
Justiça, foi efectuado o julgamento, num ambiente extremamente emotivo,
correspondente à grandiosidade do escândalo. Estava ao rubro a curiosidade das
provectas virgens, das matronas desocupadas e dos conquistadores frustrados,
além dos seráficos moralistas de fachada. Se a Relação ultrapassara a
desadequação legal à evolução se senso comum, pronunciando ambos os Réus,
considerando que “seria um contra-senso inqualificável que esse homem que a
teve teúda e manteúda já nesta cidade na Rua da Picaria, já em Lisboa e na Foz:
que a foi tirar ao Convento da Conceição em Braga
aonde se achava, para assim continuar com ela uma vida de escândalo e imoralidade
que afecta a sociedade em geral ficasse impune...”, o júri, acaba, de forma oposta, por tornear aquela desadequação,
não considerando provados quesitos fundamentais. A sentença, proferia em 17 de
Outubro de 1861 (peça que, presentemente, não se encontra no processo por ter desaparecido), limitou-se a absolver os acusados e emitir
mandados de soltura.»
advogado de defesa de Camilo foi o Dr. Marcelino de Matos (1824-1868 ( é bem,1865 )), que
viria a ser pai do Dr. Júlio de Matos (1856-1922), pioneiro da psiquiatria em
Portugal.
A pedido de Camilo, este jurista defenderia, mais tarde, Zé
do Telhado, que se livrou da forca, de facto, mas foi condenado a 15 anos de
degredo na então chamada África Ocidental Portuguesa (Angola).
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