LUGARES CAMILIANOS NO PORTO
LIVRARIA MOREIRA DA COSTA
Inaugurada e
m 1902, fica na Rua de Avis, anteriormente Travessa
da Fábrica. Foi fundada por um antigo funcionário da Livraria Ernesto Chardron,
de nome José Moreira da Costa. Hoje, encontra-se na quinta geração da mesma
família, o que é notável.
Este templo dos livros era local de encontro dos camilianistas
da cidade do Porto.
Em 1952, a livraria promoveu um fac-símile do romance de
Camilo A Infanta Capelista, uma edição
limitada de uma obra que tinha sido retirado do prelo pelo autor. A
descendência de Camilo, à época, intentou uma acção judicial contra a referida edição,
pelo que os raríssimos exemplares que restam são uma verdadeira relíquia para os
bibliófilos camilianos.
GRANDE HOTEL DE
PARIS/ANTIGA HOSPEDARIA FRANCESA
Fundado em 1846 com o nome de Hospedaria
Francesa, mudou para a actual designação em 1877, sendo, portanto, o segundo
hotel mais antigo do Porto (o mais antigo é o Hotel Boa-Vista, na Foz).
Começou por se situar na Praça da Batalha, à
esquina da Rua de Cimo de Vila, e posteriormente mudou-se para a Rua da
Fábrica, quase defronte do palacete do Visconde Laborim, conhecido por «Casa da
Fábrica».
Na administração deste hotel, vamos encontrar
dois nomes curiosos: Ernesto Chardron e Mathieux Lugan, donos da Livraria
Internacional, precursora da Livraria Lello.
Camilo chegou a instalar-se nesta hospedaria
quando veio viver para o Porto. Foi aliás aqui que se reconciliou, graças à
intermediação do Dr. Ricardo Jorge, seu amigo de sempre, com Guerra Junqueiro,
depois de uma zanga entre ambos.
Dada a profusão de transmontanos, além de
morgados do Minho, que neste hotel se hospedavam, muitas vezes era chamado «casa
transmontana no Porto». No rés-do-chão chegou a funcionar o jornal «O Nacional»,
periódico com que Camilo colaborou durante muito tempo.
Sobre o seu quarto neste hotel, Camilo escreveu[1
«O ar do
meu quarto incomodava os hóspedes. Eu tinha dez jarras de flores sobre uma
estante de livros, sobre a banca de escrita, e à cabeceira do meu leito (…). Era
um lindo quarto, o meu, lindo e rico de tantas porcelanas e flores que vinham
cada manhã duns hortos d’Armida onde as cultivava uma alma que as entendia e
com elas falava.»
Neste local, trabalhou também a famosa cozinheira
Gertrudes[2], muito referenciada por
Camilo.
ACADEMIA POLITÉCNICA/ESCOLA MÉDICO-CIRÚRGICA
( Em 1843, Camilo inscreveu-se na Academia… )
Na Academia Politécnica, inscreveu-se nas disciplinas de Química e Filosofia.
No ano seguinte, 1844, inscreveu-se em Botânica.
«Estudava eu Química na Academia do Porto. De dois
discípulos, somente me recordo bem. Um era o melhor estudante; o outro, último
da lista, seria o pior do curso, se eu lá não estivesse.»[3]
«Soou a hora do acto. Já de antemão os
condiscípulos me davam os pêsames: dizia-se que eu, além de ser um parvo
quimicamente falando, tinha quarenta e oito faltas, afora vinte e duas
abonadas, sete negas e cinco fugidas (…). Que acto eu fiz! Desenruguei a fronte
do lente, enchi de júbilo os arguentes, espantei os condiscípulos e fui
aprovado nemine discrepante.»[4]
Na Escola
Médica, Camilo esteve dois anos, 1843/1844 e 1844/1845, tendo perdido o 2º por
faltas. Em alguns dos seus livros notam-se os conhecimentos médicos de Camilo,
que dele fez uso.
RUA DO ALMADA
Segundo Sousa Viterbo, «parecia, aos sábados, uma feira de
gado, tanto eram os burros dos ferreiros das cercanias, que chegavam cheios de seiras
de pregos e partiam carregados de verguinhas de ferro em feixes, ao longo da
albarda, levados pela Rua do Almada acima, no seu trotezinho miúdo e diligente
que batia os grandes lajeados da calçada com um ruído de castanholas».
Além do ar profundamente comercial desta artéria, muito
marcada por lojas de ferragens, a Rua do Almada era também habitada por muita
da burguesia portuense — o que não é de estranhar dado esta rua se encontrar bem
perto da Praça Nova, o mais recente ponto fulcral da cidade de então.
Logo no início da rua, no número 28, viveu Ana Plácido com os
seus pais e os seus irmãos; mais tarde, viria a habitar o número 378, mas desta
vez com o seu marido, Pinheiro Alves, depois de se terem casado.
Bem perto, ficava a Assembleia Portuense, onde ela viria a
conhecer o homem da sua vida.
PRAÇA NOVA
Real Clube dos Encostados - Passeio das Cardosas |
Lugar central do Porto oitocentista, era aqui que tudo
acontecia; por isso, não é de estranhar que Camilo fosse um dos «hóspedes» habituais
desta zona da cidade.
[
Era também por aqui que campeava a burguesia que viria a servir
de inspiração a Camilo — muitas das personagens-tipo que podemos encontrar nos seus
livros foram de certeza ficções de gente que ele conheceu ou com quem se cruzou
no seu dia-a-dia. Camilo servir-se-ia dos defeitos e contradições dessas
pessoas, fazendo-os alvo da sua chacota e ironia mordaz
No gaveto da Praça da Liberdade com a Igreja dos Congregados
ficava o Café Guichard — aberto de 1820 a 1857 —, lugar de encontro da geração
de Camilo. Os cafés, aliás, tiveram uma enorme importância para o aparecimento
de muitos literatas e jornalistas, e, como alguém disse um dia, «rivalizaram
com a Academia para a formação cívica e intelectual do Porto do século xix e primeira metade do século xx.»
«Em 1849 (…) o Café
Guichard, a que eu chamaria uma colmeia onde se emelavam doces favos de
espírito, se aquele botequim não fosse antes um vespeiro que desferia, às
revoadas, ferretoando os bócios dos gordos filistinos da "Assembleia"
e as macias espáduas lácteas das suas consortes no coração e nos ádipos (…).»
O Passeio das Cardosas foi rebaptizado
por Camilo, que passou a chamá-lo de «Pasmatório dos Lóios», «Real Clube dos
Encostados» ou «Aquário dos Imbecis».
No gaveto das Cardosas com o Largo dos Lóios existia a
Livraria Moré — a livraria que publicou a primeira edição de Amor de Perdição e de Memórias do Cárcere.
Do outro lado, junto à Rua do Almada, ficava a famosa Casa Lino,
uma loja de artigos para caça e pesca que ficou conhecida, porém, por ser local
de tertúlia e cavaqueira, por onde passou toda a gente que era gente, no Porto.
Em 1933, José Saraiva, que aqui trabalhou, publicou um livro intitulado À Porta do Lino, onde nos fala dos
gloriosos tempos daquela casa.
.
[1] Branco, Camilo Castelo (1870), A Mulher Fatal.
[2] Ver esta entrada no capítulo «As Mulheres no Universo
Camiliano».
[3] Branco, Camilo Castelo (1867), Cavar em Ruínas.
[4] Idem.