Sinagoga Mekhor Haim -
Sinagoga Kadoorie
A Sinagoga Kadoorie foi um velho sonho, tornado realidade pelos judeus portuenses. Vai ter o seu primeiro dia de existência quando em 1928 o terreno é adquirido e a primeira pedra é lançada em 30 de Junho de 1929. Nas suas fundações e como acto simbólico foram colocadas num tubo de ferro 18 moedas portuguesas do ano de 1929. A compra do terreno só foi possível graças ao contributo de diversas pessoas de diversos países, sobressaindo a família Rothschild, pela sua generosa contribuição. A cerimónia de lançamento da primeira pedra foi acompanhada por diversas individualidades. Estiveram presentes entidades de diferentes comunidades judaicas e de entre os convidados encontrava-se o líder da comunidade de Lisboa, Mosés Amzalak.
Mas, apesar do optimismo
que o momento proporcionava, os tempos eram de mudança. A construção de uma
Sinagoga ao lado do Colégio Alemão (que na época ficava onde hoje está um
empreendimento pertencente à Associação de Moradores do Campo Alegre), não
agradou a muitos dos membros da comunidade alemã e, na década de trinta, tal
situação não augurava nada de bom.
Na Europa, Hitler e o nazismo eram a grande
realidade dos anos 30 e esse clima vai também reflectir-se na nossa cidade: as
famílias germânicas que estavam à frente dos destinos do Colégio Alemão eram
simpatizantes da causa nazi, pelo que vão solicitar à Câmara do Porto o plantio
de um renque de árvores, que ainda hoje podemos observar, para que os meninos
alemães não tivessem que, ao sair do colégio, encarar a Sinagoga.
A
instauração da ditadura militar depois do golpe de estado de 28 de Maio de 1926
vem trazer nuvens sombrias e os anos de chumbo estavam a chegar ao nosso país.
O clima já não era propício a uma afirmação dos descendentes dos marranos; o
regime nascido em 1933, o Estado Novo, não escondia as suas simpatias para com
o nazismo emergente na Alemanha e esta realidade tinha consequências.
Entretanto a construção da Sinagoga entrava num
período crítico: o dinheiro escasseava as obras ficaram paradas durante
bastante tempo. Em 1933 os filhos de Elly Kadoorie, milionário judeu de Hong
Kong, ofereceram 5000 libras para a conclusão das obras, com a obrigação desta
ostentar o nome Kadoorie. A mulher de Sir Elly Kadoorie era uma sefardita de
origem portuguesa de nome Laura Matos Moncada. Por força desta acção, o
Presidente Honorário da Comunidade passou a ser, até hoje, Sir Elly Kadoorie,
falecido em 1944 depois de ter estado num campo de concentração japonês.
A edificação da Sinagoga é, no fundo, o
resultado das contribuições de diversas proveniências: Londres, Paris, Hong
Kong, Amesterdão e outros.
Finalmente chegou o dia tão aguardado pela
comunidade judaica do Porto, ou seja, a inauguração da Sinagoga Kadoorie Mekor
Haïm, a 16 de Janeiro de 1938. O «Jornal de Notícias» do dia seguinte
relatava: «Os israelitas do Porto inauguraram ontem a Sinagoga Mekor Haim
(Fonte de Vida), na Rua Guerra Junqueiro, para serviço litúrgico da comunidade
judaica (…)».
Na inauguração estiveram
presentes numerosos representantes de diversas comunidades judaicas. Do Porto,
além do Capitão Barros Basto e da sua própria família, estiveram
também as famílias polacas, russas, lituanas e alemãs que constituíam o grosso
da Comunidade, bem como alguns portugueses marranos já convertidos ao judaísmo
oficial; de Lisboa, Mosés Amzalack e de Trás-os-Montes muitos marranos para ali
se dirigiram expressamente. A humildade destes marranos era de tal ordem que
muitos deles ficaram a aguardar o término do serviço religioso (cuja técnica
não dominavam) nas escadas do exterior. As cerimónias religiosas foram
realizadas pelos rabinos, Diesendruck e J. Hertz e pelo Sr. Samuel Rodrigues.
Todo o evento seguiu o ritual hebraico e coroou os esforços de muitos anos de
uma comunidade que, apesar de escassa em número, deveria estar orgulhosa do
acontecido. A pequena comunidade israelita do Porto era constituída
essencialmente por judeus asquenazitas, que
tinham vindo para a cidade para praticarem o comércio, vindos de diversos
países do leste europeu como a Polónia, Ucrânia, Lituânia e Rússia. Não deixa
de ser uma ironia, num país de sefarditas, que entre 1493 e 1496 era
praticamente a Judeia do mundo, os portugueses eram a minoria na comunidade do
Porto. Alguns já na época perguntavam porquê um templo com aquelas dimensões, o
maior da Península Ibérica, numa região onde os judeus escasseavam…
É nossa opinião que no entender do
Capitão Barros Basto nem outra coisa poderia ser. Primeiro, o Capitão estava
imbuído de que a Obra do Resgate ia trazer para a superfície todos, e seriam
algumas dezenas de milhares, os descendentes de marranos que estavam
disseminados pelo norte e centro do país e, como tal, a Sinagoga tinha que
corresponder a esse número crescente. Segundo, o Capitão queria que os judeus
se sentissem orgulhosos da sua Sinagoga, que pedia meças aos templos católicos
disseminados pela cidade. Logo ali, bem perto, tinha um exemplo claro dessa
realidade. A obra é da autoria dos arquitectos Augusto Santos Malta e Artur
Almeida Júnior. Rogério de Azevedo também vai ter intervenção na obra, mas de
uma forma discreta e já na parte final.
Para se apurar da grandeza do edifício, a
Sinagoga aquando da sua inauguração possuía, como hoje, para além de uma sala
de culto com 230 lugares, biblioteca, sala de aula, tipografia, apartamento do
rabino e ainda um balneário ritual, mikvé
em hebreu. Com a sua escola, Eben-Mussad
(Pedra do Alicerce), O Patronato dos Trabalhadores, Hassut Hapoalim e o jornal «Há-Lapid» que também aqui estava
instalado, era o órgão oficial da comunidade.
É
considerada a maior Sinagoga da Península Ibérica. Em janeiro de 2013 a
Sinagoga fez 75 anos e a comunidade celebrou o aniversário com um evento que
teve a participação do presidente da Comunidade, o americano Dale Jeffries, do
embaixador de Israel em Portugal e de judeus de todo o mundo. As cerimónias
foram conduzidas pelos rabinos Daniel Litvak (rabino oficial da comunidade),
Abraão Serruya, Eli Rosenfeld e pelos membros do comité religioso da Sinagoga,
que dividem a sua vida entre o Porto e Golders Greeen, em Londres.
A Sinagoga tem um valor simbólico acrescido,
tanto para os judeus portuenses como para o judaísmo mundial. Na lista de
membros beneméritos da comunidade estão personalidades judaicas das mais
relevantes do século xx, como
Cecil Roth, Edouard Rothschild, Elly Kadoorie, Rabino Chefe David de Sola Pool
e a comunidade conta, ainda hoje, entre os seus membros, com judeus de origens
tão diversas como Egipto, Índia, Inglaterra, Bélgica, Canadá, Brasil, Rússia,
Estados Unidos da América, Polónia, Espanha, Israel, Portugal, México e
Venezuela.
O
edifício erguido tem um valor simbólico acrescido, tanto para os judeus
portuenses como para o judaísmo mundial. Numa época onde o nazismo punha fogo a
dezenas e dezenas de Sinagogas pela Europa fora, em Portugal era inaugurada uma
em contraciclo. Ao longo da sua existência ela sempre foi amada, respeitada e
preservada pela comunidade judaica portuense. Nunca foi vilipendiada nem dela
nunca ninguém se aproveitou. Tomaram conta do «palácio», durante as frias
décadas da ditadura e até hoje, famílias como Barros Basto, Kniszinsky, Beigel,
Schumann, Finkelstein, Cymerman, Openhaim, Prezman, Lemchen, Flitterman, Tillo
e Jeffries.
É
fascinante pensar que numa cidade de uma região onde ao longo do século xx escassearam os judeus, nunca essa
realidade se reflectiu na Sinagoga. Ela sempre foi tratada com esmero e enlevo
pelos filhos de Israel que habitam a nossa região.
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